Ainda somos seres tridimensionais?
Como assim? Que dúvida é essa?
É o que venho me perguntando.
Ligo o laptop. Entro no Zoom. Oito horas da manhã. A aula vai começar. Já estão todos lá. A Carmem, a Lígia, o Pedro, a Priscila, o Marcos. Todos bidimensionais.
Entra a professora, também bidimensional. Viramos, todos, personagens de televisão. Vemos e somos vistos dentro de uma tela. Sem profundidade, plana. Pelo menos é em cores. Nossa mente, tão fantástica, consegue traduzir a imagem como se estivéssemos vendo tudo em tridimensionalidade, mas não estamos. Imaginamos.
Espelhos normalmente nos refletem em duas dimensões. Por isso erram em suas reflexões. Não nos faz jus. Certamente somos muito mais bonitos do que nossa imagem refletida. Somos roubados de nossa profundidade, somos chapados como ovos fritos ou sanduíches prensados.
Fotos também roubam nossa profundeza, achatam nossa dimensão, necessitando de filtros, ângulos que favorecem, luzes que contribuem, retoques que tentam nos aproximar daquilo que realmente somos.
Encontrei pessoalmente, pela primeira vez, uma colega bidimensional. Só a conhecia da tela ou dos perfis das redes sociais.
Nossa, como você é linda! - Exclamei surpresa.
Ela me olhou sem compreender. Afinal, eu já a tinha visto várias vezes. Nunca, porém, ao vivo. Pessoalmente ela me revelou toda a sua dimensão, sua profundidade, seus traços saltando de sua pele, desgrudados. Tudo o que eu via, antes, era a reprodução malfeita de sua imagem. Faltava o essencial.
O ser bidimensional não exala nenhum aroma, não te olha nos olhos, não te transmite nenhuma energia, não compartilha de sua química. O ser bidimensional não exige tato, olfato nem paladar. Às vezes, não exige nem visão ou audição. Você se depara apenas com uma porta fechada. Imagina que atrás daquela porta exista uma pessoa, embora você não a veja nem a escute. Só a fantasia transparece.
O ser bidimensional tem algumas vantagens. Falar sem ser ouvido. Ouvir sem utilizar a voz. A vida é uma peça de teatro onde cada um entra e sai do palco a qualquer momento, estando, no entanto, sempre presente na plateia.
O ser bidimensional pode se utilizar de disfarces, máscaras, panos de fundo. Pode estar aqui ou acolá. Não importa onde esteja. Pode ser de manhã ou de noite. Não importa quando esteja.
Tal qual mágicos, utilizando as distrações, as ilusões, transportam o olhar do outro para bem longe de si, longe de onde o truque está sendo executado.
Seres tridimensionais também podem usufruir das máscaras e das mágicas, mas é necessário maior criatividade, maior disposição, maior cuidado.
Frente a um filme, frente à TV, disperso-me. Nada daquilo é real. São cenas, fragmentos que me deixam como se dopada, alheia, olhando o tudo e o nada. Frente a um ser bidimensional, disperso-me também, como se ele não fosse real.
Mas o mundo lá fora é real. As pessoas tridimensionais são reais. São verdadeiras. Você pode sentir seus perfumes, tocar em suas peles, e, que gozado, podem falar ao mesmo tempo e todas se entendem. O ser bidimensional não. Por favor, clique na mãozinha para avisar que você quer falar. O ser bidimensional é surdo para duas vozes.
Frente ao bidimensional, faço várias coisas ao mesmo tempo, e ao mesmo tempo não faço nada. Minha mente se perde no que está na tela do computador, no celular, nos livros em minha mesa, inúmeros estímulos disputando minha atenção.
Como bidimensional, tenho TDAH. Tudo e nada é digno de minha atenção.
Talvez a evolução extinga os seres tridimensionais como eu. Talvez só sobrevivam os seres adaptados para duas dimensões. Eu serei uma clara candidata à extinção. Não importa.
A vida acontece mesmo sem a nossa presença. Em uma, duas, ou três dimensões. Se eu pudesse, escolheria inclusive a quarta. Mas já me contento com a terceira. Duas, infelizmente, não me satisfazem.
Se eu não puder estar com você, deixe-me pelo menos te ver.
Se eu não puder te ver, deixe-me pelo menos te escutar.
Se eu não puder te escutar, deixe-me pelo menos te imaginar.
Mas se eu puder estar com você, não me deixe nenhuma outra opção.