De repente, sem nenhum aviso, a tristeza chegou. Não bateu à porta, não telefonou. Quando me dei conta, ela já estava lá. Vestiu-me de preto, ajustou meus óculos para o cinza, colocou um manto grosso sobre meu corpo frio.
Quando a tristeza chega, é o momento de me recolher e olhar para dentro. Por que ela surgiu justamente agora? Que gatilhos podem tê-la desencadeado? O que ela está querendo me dizer? Essa é a hora de fazer uma avaliação, um check-up mental. É a hora de desacelerar e deixar que a dor dialogue comigo. É a hora da confissão, da expurgação, de limpar as gavetas, tirar o pó dos armários, arrumar os pensamentos e purificar a alma.
Pelo menos, deveria ser assim. Hoje em dia, no entanto, não é permitido se sentir triste. Não há mais lugar para a dor no mundo atual.
Pessoas altamente bem-intencionadas e amorosas fizeram de tudo para que eu me sentisse melhor. Mensagens lindas, sugestões de técnicas, cursos, tudo que pudesse aquecer meu coração, e aqueceu. Mas não segui nenhum conselho.
Por quê? Porque a tristeza também tem seu lugar, não só na minha vida, mas na de todos.
Hoje em dia, tudo são transtornos. Eu mesma lido com transtornos em quase todos os momentos. Profissionalmente, academicamente, até mesmo literariamente, vivo cercada de distúrbios mentais. E, hoje em dia, não há mais tanto tabu em torno do tema. Muito pelo contrário. Nunca escutei tantas pessoas se questionando se estão no espectro autista, se têm TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), se sofrem de fobia, se de alguma forma se encaixam no DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
Assim, atualmente tudo é transtorno. Se estou ansiosa por algum motivo, sofro do Transtorno de Ansiedade. Se estou triste, opa, é depressão. Se sou arrogante ou convencida, ah, transtorno narcisista. Se gosto dos quadros alinhados, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Se estou com raiva, psicose. Se me queixo de que algum colega puxou meu tapete, delírio paranoico. Se escuto a voz do meu inconsciente, esquizofrenia.
Os sentimentos, os comportamentos, por mais básicos que sejam, tomaram uma proporção gigantesca e tudo é motivo para um tratamento urgente, imediato.
Claro, os verdadeiros transtornos são, sim, motivo de preocupação e justificativa de tratamento imediato. A depressão, a esquizofrenia, a síndrome do pânico, TDAH, TOC, causam muito sofrimento e diminuem consideravelmente a qualidade de vida de quem é assolado por esse mal. Precisam de cuidados urgentes, sim.
Mas será que tudo é transtorno? Não podemos mais ter determinadas manias, tristezas esporádicas, raiva, dúvidas, comportamentos não robotizados? É essa a era do mundo cor de rosa, dos contos de fadas, da vida perfeita? Da dicotomia entre saúde mental e loucura? Sem nenhum meio-termo?
Além disso, hoje somos convencidos de que não podemos sofrer. Sofrer é ruim. O mundo perfeito das redes sociais nos induz a buscar a felicidade imediata, os prazeres acelerados, a perfeição das formas, a beleza idealizada, dinheiro, poder, fama, sucesso. Todos querem chegar ao topo, mas sem a áspera caminhada pela trilha íngreme que leva ao cume.
Ninguém mais quer sofrer. Sofrimento é sinônimo de fraqueza, fracasso. Você está fazendo alguma coisa de errado, sofrer não é mais natural do ser humano.
A vida, agora, é um eterno carnaval. Músicas, cores, alegria, alegria, alegria. Não há mais espaço para a dor.
Mas sem a dor, não há crescimento. Sem a dor, não há autoconhecimento. Sem a dor, não há mudanças. As crises são absolutamente necessárias. Sem crises, ficamos estagnados e estagnação é morte.
A verdade é que para se chegar ao topo, é preciso aprender a escalar e isso só se consegue com muitos e muitos tombos, joelhos esfolados, braços arranhados, calos nas mãos e pés cansados. A primeira coisa que você tem que aprender, se quiser patinar, é saber cair. (Trecho do livro Você me conhece?)
Voltamos à tristeza. À minha tristeza. Não pretendo ser sempre feliz. Estar sempre alegre. Minha vida não é um sonho, é realidade. Sou feliz, sim, na maior parte do tempo, não porque minha vida seja perfeita, mas porque a felicidade não depende da perfeição. Sou feliz porque gosto de quem eu sou, de quem me tornei após anos e anos de luta. Sou feliz porque me realizo no meu trabalho, nos meus relacionamentos, nos meus estudos, após anos e anos de luta. Sou feliz porque vou atrás dos meus sonhos e não desisto nunca. Sou feliz simplesmente porque não consigo imaginar minha vida de outra forma.
Mas vida perfeita? Longe disso. Alegria o tempo todo? Nenhum problema, nenhum arrependimento, nenhuma angústia? Muito longe disso.
E sim, lágrimas, dias nublados, dias de chuva, tristezas que chegam silenciosamente e se instalam até que eu entenda o motivo delas. Faz parte.
Permita-se sofrer. Não se entregar ao sofrimento, não se afogar na dor, não tornar as vestes escuras, permanentes. Mas sofrer o que lhe é cabível? Sim. Deixe a dor entrar, aprenda com ela, limpe sua casa, tire o pó das velhas mágoas, dos ressentimentos, das culpas inúteis, dos medos infundados. Depois, abra as portas e janelas e deixe a dor sair. Ela vai voltar, mas a cada vez você estará mais forte.