Uma mente singular
Lucas tem quatro anos e é um menino solitário. Gosta de brincar sozinho e fica muito irritado quando alguma outra criança tenta pegar seu brinquedo. Não é comunicativo nem muito expressivo, evitando contato visual e físico.
Os pais de Lucas trabalham o dia inteiro e o deixam por meio período em uma escola própria para a sua idade e o restante do tempo com uma babá. Na verdade, várias babás já passaram por aquela casa e todas se queixaram de Lucas ser um menino muito complicado.
— Ele não fala e é muito difícil entender o que ele quer. Passa os dias sentado de pernas cruzadas. Quando não é atendido imediatamente começa a gritar e se joga no chão. – Conta Estela, a última babá.
Lucas parece não escutar o que lhe dizem e detesta barulho.
— É só uma fase. Quando crescer mais um pouco, ele vai mudar – diz sempre a mãe.
Mas quando Lucas começa a ter um desempenho sofrível na escola e a professora chama os pais para conversar, fica claro que o menino só está piorando.
— Ele não tem nenhum amigo – diz a jovem mulher. Não conversa com ninguém, não responde às minhas perguntas e parece viver em um mundo particular, só dele.
Após várias consultas com psicólogos e neuropsicólogos, Lucas foi diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O TEA é um transtorno mais comum do que se imagina. A cada 100 crianças, uma apresenta este espectro.
Há uma tríade neste transtorno que engloba problemas na interação social, problemas na comunicação e comportamentos restritos ou estereotipados.
Porém, o diagnóstico nem sempre é tão simples assim. É preciso eliminar outros fatores como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), depressão infantil e até mesmo surdez.
A criança autista não ouve ninguém, não atende ninguém, mas escuta bem. Parece viver em seu próprio mundo. Não suporta lugares barulhentos e têm uma hipersensibilidade acústica e à luz.
Estas crianças não processam as informações sociais ou as processam de forma muito falha. A área cerebral envolvida é pouco ativada. É necessário estimulá-las muito, chamar sua atenção, chamar o seu olhar.
Com exceção de Asperger (uma forma mais branda do transtorno), todo autista tem atraso marcado no desenvolvimento da linguagem. Normalmente, os pais não acreditam nesse atraso. Dizem que a criança é preguiçosa, que só convive com adultos. A ausência da linguagem, no entanto, é um fator muito importante para determinar o prognóstico da criança.
Um bebê autista não troca olhares com a mãe na amamentação. Além do mais, autistas não se alinham no colo da genitora. Ficam rígidos ou flácidos, ao contrário dos bebês normais. Apesar de o diagnóstico só ser feito a partir dos três anos, é possível identificar risco para o desenvolvimento de autismo, de modo que possa ser feita uma estimulação/tratamento o quanto antes.
O autismo é mais comum nos meninos, mas é mais grave nas meninas.
Pode acontecer de a criança autista ter um padrão restrito de alimentação, como por exemplo, não comer nada amarelo ou com a consistência de uma carne.
Pode também haver balanços e rodopios, sendo que o mais comum é a criança girar as mãos.
Não é fácil diagnosticar o TEA antes dos três anos de idade, mas bebês e crianças muito pequenas podem apresentar sinais de um possível transtorno. Por exemplo, crianças pequenas típicas trocam olhares, não são apáticas ou pouco expressivas, sentem-se importantes e seduzem, antecipando se o adulto irá gostar ou não de alguma coisa que ela faça, têm a atenção compartilhada e apresenta flexibilidade e firmeza corporal. A ausência destes sinais pode ser preocupante.
Síndrome de Asperger
A Síndrome de Asperger caracteriza-se por comprometimento social (egocentrismo extremo), padrões restritos de interesse (como por exemplo, só falar de trem, só gostar do que gira), apresentação de rotinas e rituais, peculiaridades de discurso e linguagem, problemas na comunicação não verbal e desajeitamento motor. A criança pode falar como se fosse um robô ou apresentar muita dificuldade em atividades físicas.
A diferença do Asperger para o autismo clássico é que o primeiro não apresenta atraso de linguagem e sempre apresenta discrepância nos testes neuropsicológicos. No autismo clássico, a criança não apresenta necessariamente problema motor, mas no Asperger, sim.
Como lidar com a criança com TEA
Lucas passou por uma série de testes neuropsicológicos de forma que pudesse ser diagnosticado.
Quando usava a caixa lúdica, o menino não conseguia brincar de faz-de-conta.
O neuropsicólogo percebeu que Lucas era inflexível com dificuldades em avaliar emoções em figuras que lhe eram apresentadas. No entanto, conseguia reconhecer o terapeuta fora de qualquer contexto, pois diferentemente das outras pessoas, o autista não leva o contexto em conta.
Após a avaliação e o diagnóstico de TEA, Lucas foi encaminhado para uma terapia comportamental.
— É de extrema importância acompanhar a criança no mundo dela, em vez de puxá-la para o nosso – explicou a terapeuta aos pais.
Se não for ajudada, os comportamentos extremos de girar, gritar ou se debater podem até melhorar, mas a criança pode se tornar apática e fora da nossa realidade.
A criança com este transtorno pode ter muitas dificuldades em lidar com mudanças. Tudo deve ser mantido exatamente da mesma forma pelo tempo todo.
A escola também pode apresentar imensas dificuldades, mas é importante insistir para que o indivíduo possa ter um leque mais amplo de opções.
Não há cura para o autismo, porém, hoje o TEA já é visto com outros olhos e a esperança de que a criança se torne um adulto melhor adaptado é grande.
O tratamento deve ser multidisciplinar, envolvendo médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e pedagogos. Dessa forma, o indivíduo conseguirá desempenhar mais atividades sozinho.
Quando as intervenções são feitas precocemente, há grande chance de melhora nos sinais deste transtorno.
Lucas agora está em terapia e segundo seus pais, apresentou melhoras significativas. O processo é lento e sofrível, mas a família está se adaptando e lutando contra as adversidades constantes. Um dia de cada vez.